Ao morrer, eu sabia exatamente o que estava acontecendo.
Assim que meu corpo se colidiu com a grama, meu cérebro mandou um último aviso: é o fim. Não há mais nada a ser feito. Eu vou morrer.
Quando ele já havia gasto toda sua adrenalina, havia chegado a hora de ver minha vida passar pelos meus olhos. É engraçado, como pensamos que é apenas uma expressão hiperbólica. Não é.
Naquele instante, eu relembrei memórias há muito esquecidas, vislumbres de acontecimentos, passagens rápidas de todo o tipo de coisa que eu já tinha feito.
Dançando quando criança na casa da minha avó, a uma música do Black Eyed Peas. Correndo para lá e para cá na minha escola primária, naquele chão de concreto com pedrinhas. Sentada no chão, em uma festa, enquanto tocavam violão.
Todas as lágrimas que eu havia derrubado até aquele momento, todas as vezes em que sofri, pareceram uma piada de mau gosto. Tão insignificantes, tão mínimas comparado ao resto de minha vida. Parando para analisar de longe, os momentos ruins da minha vida eram meros borrões em uma pintura muito maior; eu só estava perto demais para perceber.
Houve uma confusão no meu coração. Por um lado, senti desespero. Eu nunca mais poderia sorrir. Nunca mais poderia tomar sorvete com meus pais. Nunca mais poderia contar histórias nem criar personagens. Não poderia mais dar todo o amor que eu tinha dentro de mim — tanto, tanto amor.
Para onde todo aquele amor iria? Seria desperdiçado?
Foi então que senti medo. Para onde iria, não só meu amor, mas também minha consciência? Acabaria mesmo ali?
E me dei conta de que era atéia.
Se houvesse mesmo um Deus, provavelmente eu não seria abençoada. Fui egoísta, lasciva, arrogante. Cometi diversos pecados, sob a régua de inúmeras religiões. Será que ainda serviria de algo se eu começasse a rezar?
Culpa. Talvez eu devesse ter sido religiosa. Não porque eu queria ir para o céu ou nada disso. Porque morrer é a experiência mais solitária pela qual passamos, e eu queria, desesperadamente, que houvesse alguém ao meu lado. Alguém para quem pedir ajuda, que talvez pudesse me ouvir. E quem mais, a não ser o onisciente, onipresente e onipotente?
Não havia mais ninguém ali.
Dúvida.
Portanto, rezei. Não poderia machucar, certo?
Talvez houvesse um milagre.
Mas Deus não reserva seus milagres para hereges.
Enfim, senti tristeza.
Era assim que acabaria. Bem daquele jeito; sem glória, sem honra, sem história interessante. Eu morreria como qualquer outro e meu nome viraria memória, que depois deixaria de existir.
Não existe morte pior do que ser esquecido.
Arrependimento.
Se eu tivesse estudado mais. Se eu tivesse tido um emprego melhor. Se eu fosse mais caridosa. Se eu tivesse sido alguém mais memorável. Se eu tivesse tido filhos.
Vazio.
De qualquer forma, era tarde demais.
O sangue escapava de mim junto com cada gota de esperança que uma pessoa poderia reservar.
Alguém me perguntou, "você está pronta?"
E em meu último suspiro,
Senti amor.
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