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A Caixa de Correio [+14]

Contagem de palavras: 891


Uma gota quente de suor escorreu da têmpora do carteiro. O sol escaldante acima dele era impiedoso e parecia mastigar seu cérebro através do boné fino que estampava o nome da empresa onde trabalhava.

Ele já estava dirigindo há algumas horas, e o ar-condicionado de sua van não estava dando conta do calor sozinho. Rugia e fazia um barulho preocupante junto com o motor ao tentar resfriar o inresfriável.

Por longos e longos quilômetros se estendia uma paisagem árida e sem vida, opaca e dessaturada de xerófilas solitárias e planícies entediantes. O céu era quase de um branco e a luz refletia do asfalto desgastado e da terra amarelada direto para os olhos do carteiro cansado, quase desidratado.

Quando olhava para a estrada, uma pequena linha do horizonte próxima ao pavimento ondulava com o calor, e fazia tanto tempo que ele havia passado por outro carro que o sentimento de reclusão era quase desconfortável. Uma ansiedade pontiaguda feria seu peito, alimentada pelo conhecimento de que se algo acontecesse ali, demoraria muito até que alguém conseguisse achá-lo. Isso se ele sequer conseguisse pedir por ajuda.

Sua mente já o atormentava, fornecendo um cardápio longo de cenários desastrosos. O fim da gasolina. O ataque de um coiote faminto. Um pneu furado. As chances eram variadas, e ele estava acompanhado apenas de uma quantidade considerável de caixas e cartas no compartimento traseiro e de uma voz do rádio que já tinha parado de fazer sentido há algumas rodovias atrás. Palavras robóticas, músicas psicodélicas cantavam para ele o mantendo acordado.

A gota de suor chegou ao queixo e pingou sobre sua prancheta com uma lista de endereços. O carteiro parou para olhá-la, se expandindo, consumindo o papel, como uma pupila que dilatava, como um buraco que se abria.

Sua carne parecia cozinhar debaixo de sua pele ressecada. Ele podia ouvir o tsss de um bife grelhando de forma abafada por trás do zunido incessante de seus ouvidos.

E então, uma caixa de correio.

Estática como um fragmento esquecido, algo que não parecia pertencer. Um borrão na pintura perfeita da paisagem, um obstáculo na vista desértica. Preta, contrastante, imponente e misteriosa. Uma caixa de correio sem casa para pertencer, fixada ao solo despretensiosamente, quase arrogante.

O carteiro enojou-se com a petulância daquela caixa de correio. Ela precisava de um motivo, precisava de uma desculpa para estar ali, e não havia nenhuma. Quem poderia receber correspondências naquele lugar impiedoso? Naquelas terras cruéis e fervilhantes?

Ele estacionou sua van na beira da estrada, levantando um pouco de areia laranja, e apertou os olhos para ver direito. Sim, sem dúvidas era uma caixa de correio. Sentiu vontade de gritar com ela, mas não ousou quebrar o silêncio.

Caminhou com certa lentidão, seus músculos enrijecidos por ficarem tanto tempo na mesma posição, o coração martelando dentro do peito, a cabeça inchada. Ofegava como um cachorro, de medo e de calor. Por Deus, como estava quente.

O pino na caixa de correio estava de pé, sinalizando que havia algo dentro. Mas não havia mais nenhum indício de nada.

Nenhuma pegada por perto, nem mesmo penas de aves que usariam esta caixa abandonada como ninho. Não estava tão empoeirada, não havia vinhas espinhentas rastejando para cima dela. Uma falha, um item mal-colocado, bem ali, no meio do deserto, praticamente implorando por atenção.

O carteiro abaixou o pino, e abriu a portinhola. Ao olhar dentro, não viu absolutamente nada. Vazia. Mentirosa. Trapaceira.

Uma raiva tomou conta de seu organismo com tamanha força que o homem mordeu a própria língua. Cravou os dentes em sua carne e não parou até que ela caísse. Não sentia dor. Sentia alívio.

Se esbanjou de seu sangue e o bebia enquanto escorria, saciando uma sede que antes parecia insaciável. Sua garganta se umedeceu, ele sentia o líquido escorrendo para dentro de seu estômago e o alimentando.

Então, deitou-se na terra, farto. E finalmente, algo saiu da caixa de correio.

Um urubu, enorme, que certamente não caberia dentro de uma caixa de correio, se aproximou do homem, seus olhos perfeitamente redondos parecendo malvados. Ele também precisava beber.

Esticou seu bico até dentro da boca do carteiro, e provou de seu sangue. Beliscou sua ferida aberta, a metade da língua que ainda estava ali, e arrancou sua úvula. O beijava tão profundamente que o carteiro sentiu um frio na barriga.

Era outro. Outro urubu bicava seu abdômen e removia seu intestino. E então outro, e então outro. Era como uma orgia; ele era o prato principal.

O Carteiro pensou sobre todas as correspondências que jamais seriam entregues, mas não se preocupou tanto. Tentou olhar para o céu, mas já haviam lhe bicado os olhos.

De dentro da van estacionada, o locutor da rádio ainda falava coisas sem sentido. E o Carteiro encarava a caixa de correio da janela, sua mente ainda lhe pregando peças. Não havia urubus. Sua língua continuava inteira, inchada e seca dentro da boca. Ele respirou fundo, engatou a primeira, ajeitou o boné e apertou o acelerador.

A van berrou em desespero, sem conseguir se mover. Ir tão rápido, por tanto tempo, com o ar-condicionado ligado, assinou o atestado de tragédia. O motor fundido iria aguentar mais quilômetros por causa da inércia.

Mas o Carteiro parou para olhar a caixa de correio. Cínica e desgraçada.

Um urubu planou pelo céu.


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